Margrethe Skou Larsen
Margrethe Skou Larsen, formada em Euritmia em Hamburg (1989) e em Pedagogia Waldorf em Stuttgart, Alemanha (1994). Pós-graduação em Euritmia em New York, EUA. Professora de Euritmia na Freie Waldorfschule Bremen (1989 – 1997) e docente na Formação de Euritmia em Hamburg, Alemanha. Trabalho artístico na Europa e nos EUA. Desde 1998 trabalha como profissional liberal dando cursos nos EUA, Brasil e Europa. Vive em Porto Alegre desde 2000, onde criou o Espaço Vivo, um espaço artístico para conhecer e estudar Antroposofia através da vivência.
Como trilhar o caminho da Antroposofia?
O primeiro passo é sentir no coração a pergunta “quem somos nós?” como prioridade na vida, como algo que não pode ser deixado para “depois” (quando vai ser depois?). É sentir uma fome real referente à resposta desta pergunta.
E quem vai respondê-la? Não vai poder ser alguém que venha de fora, alguém que não seja eu mesmo. Em outras palavras, é preciso tornar-se criança novamente, aquele ser investigativo que quer descobrir como são as coisas, brincando com os outros.
Na Grécia Antiga se dizia que a trilha da Filosofia, do amor (filos) pela sabedoria (Sofia), inicia com o alfa. É o som inicial do alfabeto que, naquela época, ainda era considerado algo vivo: cada som um ser com poder criador, responsável pelo surgimento da nossa realidade (“No inicio era o Verbo”). No curso dos séculos o nome de cada um destes seres criadores foi se reduzindo à um som, neste caso o A. Sobrou apenas o esqueleto abstrato deste ser vivo na letra A, mesmo assim contendo a sua característica que se resume na interjeição A! É quando o coração se abre em admiração e espanto sobre o mundo. Quando nos tornamos admiração por completo, exclamamos: AAA! Neste sentido a criança pequena é “um A volante”. Ela nos mostra o que significa ser humano de verdade: significa admirar-se sobre tantos enigmas em nossa volta e colocar-se a caminho para investigar este grande mistério em conjunto. É esta a alegria da criança! Ela nos convida a olhar direito. É isto que a deixa feliz.
É o que fazemos no Curso de Transformação “Quem somos nós? Nos tornamos criança novamente para descobrir, por conta própria, como são as coisas aqui na Terra.
Iniciamos pela questão do estresse que atormenta grande parte da humanidade atualmente. Investigamos as suas causas e compartilhamos as nossas descobertas. E logo percebemos como é bom trocar idéias. É muito melhor do que discutir, do que querer convencer o outro de alguma convicção própria. A realidade é muito maior do que uma convicção pessoal! Ninguém consegue concebê-la, por completo, sozinho. É preciso a convivência social para desvendar os enigmas da vida. Pois ela é multifacetada e o desvendar da verdade se dá em conjunto, através de diversos olhares atentos e através da conversa. Como diz um ditado: “A vida merece ser conversada”. Porque cada um consegue captar um outro aspecto do mesmo ser.
Hoje este é o maior desafio: tornar-se social, aprender a viver em conjunto respeitosamente. (Basta olhar para reuniões de condomínio como acontecem normalmente...). No atual momento da evolução humana somos, todos nós por natureza, egoístas. Então pode surgir no indivíduo a pergunta: como posso deixar de ser egoísta? É possível evoluir neste sentido? O que posso fazer para deixar de ser egoísta? Como posso me transformar em um ser autoconsciente e social? Entra aí a questão da boa vontade (“Paz na Terra para aqueles que tem boa vontade”), do interesse verdadeiro pelo próximo.
Já nas primeiras aulas do curso a atmosfera se modifica e a fraternidade se estabelece como algo que é muito bom vivenciar. A qualidade de vida melhora, pelo menos no período dos nossos encontros. A vida “lá fora” é então rapidamente vivenciada como um contraste bem desagradável, como o ter que comer uma comida azedada em comparação com a consumação voluntária de uma fruta doce e suculenta. Surge então, naturalmente, o desejo de expandir este novo bem estar, além das aulas, para a vida do dia a dia.
Descobrimos então, em conjunto, como é possível realizar este desejo: significa aprender a passar do dois para o três. Significa aprender um estilo de vida que flui entre os extremos, contração e expansão, sem exagerar em nenhuma destas direções ou apegar-se a uma delas. Surge com isto euritmia como estilo de vida: ritmo harmonioso, saudável e belo. Viver se torna então algo leve, colorido e delicioso. – Isto não quer dizer que você não vai mais se deparar com desafios em sua biografia. Mas você aprende a encará-los de maneira diferente.
Passaram-se apenas dois meses e a paisagem interior já começa a clarear, o sol já sorri transpassando as nuvens. Criamos condições favoráveis para investigar a composição da nossa casa terrestre, do nosso instrumento de percepção e de expressão aqui na Terra.
Iniciamos pelo reino mineral, o elemento terra. Como se fosse a primeira vez na vida, vivenciamos uma pedra. Quais são as suas características principais? Depois nos tornamos pedra. Como na infância, brincamos de pedra para sentir na própria pele: como seria a minha vida se eu fosse assim como uma pedra? Passamos por diversas vivências neste sentido. Depois compartilhamos. Escutamos o que o outro comunica, cada um captando outras manifestações do mesmo fenômeno pedra. Com isto construímos uma base de vivências para compreender melhor o nosso corpo físico.
Passamos então para o reino vegetal, nos orientando pelo elemento água. Nos relacionamos também com este elemento como se fosse a primeira vez na vida. Observamos bem e depois nos tornamos água. Movimentamos as suas características. O que cada um percebeu pode então ser compartilhado e escutamos novamente para compreender bem o que o outro vivenciou. Desta maneira desvendamos o enigma do corpo vital.
Ele é o portador da nossa vitalidade. É ele que mantém o corpo físico vivo, que, quando segue apenas as suas próprias características, se desfaz como podemos observar no defunto. É claro que o corpo vital não é um enigma para quem consegue percebê-lo (primeiro grau de clarividência), assim como um copo de água na mesa não é um enigma para quem tem olhos saudáveis e pode vê-lo. Não vai precisar de uma “prova científica” para “acreditar” na existência do copo de água! Vivencia autonomia, percepção própria, em relação ao fenômeno copo de água.
Este é o caminho da Antroposofia, da Ciência Espiritual: investigar a vida em conjunto em direção da percepção própria daquilo que é real.
Quem se relaciona com a Antroposofia apenas em um nível superficial, ou seja, não tem coragem de investigar a vida junto com os outros, muitas vezes a rotula como seita, onde seguidores seguem certas crenças que contrastam com as atuais crenças da maioria. Uma pessoa assim não percebe que está olhando para ela mesma confundindo os outros com a sua própria postura. Como ela não tem tempo para questionar a vida, investigando os fenômenos à luz do dia junto com os outros, ela se defende apontando com o dedo para aqueles que o fazem de fato. É bem curioso observar este fenômeno! O que se manifesta ali? Vamos investigá-lo em conjunto?
É verdade que existem também pessoas que simpatizam com a Antroposofia sem questioná-la. Gostam de consumir informações antroposóficas... Porém, com esta postura se posicionam bem longe do seu cerne. Isto se torna problemático quando uma pessoa assim resolve trabalhar em uma profissão antroposófica, por exemplo, como “professor Waldorf”, “agricultor biodinâmico”, “médico antroposófico” etc. Não consegue captar a essência da proposta e com isto a distorce. Contribui, desta maneira, para o rótulo da seita.
Hoje a pessoa comum percebe muito pouco da realidade. Segue, em função disto, muitas crenças. A crença mais difundida atualmente, e com boas razões, é o materialismo. Uma pessoa assim pode ser comparada com um cego nato que vive tateando pela vida, declarando, ao mesmo tempo, que é real apenas aquilo que ela percebe com os seus restritos sentidos disponíveis.
Quem tem olhos abertos sente compaixão com uma pessoa assim por ela não conseguir se perceber dentro do todo da realidade. Na base do amor fraterno provavelmente vai colocar-se à disposição para ajudar a abrir os olhos do seu irmão. De maneira respeitosa, vai convidá-lo a colocar-se a caminho. Porém, se não há interesse na autodescoberta, deve aceitá-lo, mesmo com uma lágrima no coração. Pois compreende que a escolha do indivíduo é o principal dos direitos humanos nos dias atuais.